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A castração e suas possíveis distinções de gênero

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Como a psicanálise propõe, vale sempre lembrar que cada indivíduo é único e interpreta o mundo, o outro, suas emoções e subjetividade dentro de uma perspectiva singular e intransponível. Dito isso, este trabalho se propõe a levantar alguns questionamentos comparando comportamentos sociais com a castração freudiana. Usando “Além do Princípio do

Prazer” e “Inibição e Sintoma” como base e um artigo da BBC, sobre mulheres psicopatas como comparativo, podemos levantar questões interessantes, sem a pretensão de respondê-las ou gerar

generalizações vazias, vamos apenas pensar com e partir de Freud algumas questões atuais e estruturais de nossa sociedade.


A partir do Complexo de Édipo, Freud introduz a castração que é o condutor da angústia e gera como sintoma, o recalque. A castração está na fundação da própria psicanálise e tem extrema importância na formação do sujeito, uma vez que ao conduzir a angústia e os sintomas

dela advindos, revela a verdade do “eu”. A angústia é introduzida por Freud como energia livre, ou seja, energia desligada, que está para além. Oposta a energia vinculada ou ligada que é a libido. Ao apresentar tal estrutura podemos pensar a castração como condutora da energia livre

e sua importância para além de revelar a verdade do “eu” evidenciando a falta inerente à existência humana e obrigando-o a lidar com ela através da produção de sintomas, está também na necessidade de adequação do sujeito à cultura, que delimitam muitos de seus desejos. Pensemos em uma criança de tenra idade, é necessário que muitos de seus desejos sejam limitados e mesmo completamente negados para que a mesma sobreviva. Para que esta criança venha a ser um adulto com suas capacidades plenamente desenvolvidas, dentro das limitações

humanas e de suas próprias limitações individuais, muita castração precisa ser bem-sucedida.

O artigo da BBC, intitulado “'Sou psicopata': mulheres contam como é viver com o distúrbio”, chamou minha atenção não pela psicopatia em si, mas pela convivência das mulheres com o distúrbio. A primeira questão extremamente pertinente para a psicanálise é o diagnóstico dessas mulheres como psicopatas quando elas demonstram em seus relatos, terem uma castração

cultural muito bem estabelecida, uma vez que a psicopatia surge a partir da negação à castração, na perversão ou de uma fantasia contundente na psicose. Todavia o artigo que obviamente não possui uma abordagem psicanalítica, apresenta a definição do “Manual Estatístico e de Diagnóstico de Distúrbios Mentais”, onde a psicopatia aparece como um “distúrbio

neuropsiquiátrico” e é caracterizada como baixo aparecimento de “empatia e remorso”. Uma questão que aparece já no início do artigo é o fato de haver poucos estudos sobre mulheres psicopatas e muita veiculação midiática sobre homens psicopatas que se tornaram célebres

criminosos e assassinos renomados. Apesar do questionamento em relação ao diagnóstico dessas mulheres como psicopatas, creio que seria consensual aos psicanalistas diagnosticar pessoas com baixa capacidade de sentir empatia e culpa como pessoas perversas. Tomando essas mulheres como perversas e sabendo que os célebres assassinos em série quando não psicóticos são perversos, seria de se esperar que algumas dessas mulheres perversas se tornassem célebres criminosas e assassinas. No entanto, o que as mulheres relatam no artigo é uma vida corriqueira, bem-sucedida profissionalmente com eventuais episódios de crueldade, como conta Vitória, uma das entrevistadas sobre suas ações de vingança diante da desconfiança de que seu namorado que ela sabia que era casado, ter outras amantes. Ela envia fotos sexuais para a esposa, por meses, nas fotos somente o namorado aparecia e ele se confessava com ela sobre o que estava acontecendo, sobre como sua esposa estava triste e sobre qual de suas outras

namoradas poderia estar fazendo aquilo, quando se cansou, Vitória enviou um último pacote de fotos onde ela aparecia em uma das imagens. Vale ressaltar que a desconfiança de Vitória era baseada na mudança da linguagem corporal de seu namorado, nada além disso, o que demonstra uma grande perspicácia no entendimento do comportamento do outro.

No artigo, outros relatos interessantes aparecem, mas o que me chamou a atenção é não haver nenhum relato de assassinato. Vitória não mata o namorado e não inicia assassinatos em série de homens que traem as esposas com mais de uma amante, ela pratica uma espécie de tortura emocional com a esposa enquanto engana de maneira extremamente dissimulada o namorado que a estava enganando com outras amantes.

A partir dessa ausência de assassinas dentre as perversas apresentadas na reportagem e do baixíssimo aparecimento de assassinas em série noticiadas e encarceradas, proponho o questionamento de se tal ausência pode ser vista como uma castração cultural muito bem-feita entre as mulheres, mesmo entre as mulheres perversas que em princípio, negam a castração. Como dito anteriormente, o artigo aponta o fato de que há poucos estudos sobre mulheres psicopatas que tratamos aqui como mulheres perversas, talvez um crescente de estudos sobre mulheres perversas mudasse nosso entendimento de perversão, ou apenas reforçasse o que já sabemos, que a cultura é tão eficaz na castração das mulheres quanto ineficaz na castração dos homens. Mostrando que a diferença dessa castração cultural chega ao ponto de que mulheres perversas com provável psicopatia não cometam assassinatos e torturas em série; enquanto homens perversos e psicóticos com efetivo diagnóstico de psicopatia costumam ser assassinos cruéis e tidos como incuráveis.

Olhando por esse viés mais parece que os homens deveriam ser melhor castrados e não o contrário, as mulheres tendo uma castração menos eficaz. É importante ressaltar esta diferença porque ainda hoje tendemos a adotar o comportamento masculino como o comportamento ideal,

eleito mais prestigioso. Quando talvez, se adotássemos alguns dos comportamentos tidos como femininos, não no sentido freudiano, mas no sentido que o senso comum usa feminino, como restrito à mulheres. Talvez se alguns desses comportamentos femininos fossem adotados como ideais, talvez tivéssemos mais homens com uma castração cultural eficaz, que os impedisse de atender somente ao próprio desejo apagando o outro como sujeito e deixando-o como objeto mortificado.


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Referências

FREUD, S. (2020). Além do princípio do prazer. In S. Freud, Além do Princípio do Prazer, Ed.

Crítica bilíngue (Maria Rita Salzano Moraes, Trad.). Autêntica. (Trabalho original publicado em

1920)

Freud, S. (1925-1926/1996). Inibição, sintoma e angústia. Obras completas,n ESB, v. XX. Rio

de Janeiro: Imago.

MOHAN, Megha. 'Sou psicopata': mulheres contam como é viver com o distúrbio. BBC News

Brasil, 2023. Disponível em: < https://www.bbc.com/portuguese/vert-fut-63732969>. Acesso

em: 14/07/2023.


Escrito por Caroline Teixeira

 
 
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